"Todo nosso conhecimento nasce no sentido, passa pelo entendimento e termina na razão" Kant
Desde que o homem, há mais ou menos três séculos, descobriu a ciência e a tecnologia como aliadas para o desenvolvimento humano, o mundo começou a ser alterado radicalmente. O que antes era considerado desconhecido para muitos, atualmente se tornou domínio público.
A ciência, sem nenhuma dúvida, revolucionou o modo de pensar da humanidade. Até o século XVIII, antes de acontecer a revolução científica, ele estava marcado profundamente pelo entendimento e a reflexão filosófica do povo grego, que dentre as civilizações antigas foram a primeira a romper com o legado do mito para desenvolver e introduzir a tradição de um novo conhecimento pautado na razão.
Desse modo, o rigor, a eficácia, os métodos e técnicas foram alguns dos muitos aspectos introduzidos para o desenvolvimento social, bem como a descoberta de novos entendimentos de mundo e a desmistificação de tantas crenças que não tinham nenhum tipo de fundamento racional. A ciência abre um novo olhar sobre o mundo. A física, química, geografia, história, astronomia, começam a ser descobertas e aplicadas para o desenvolvimento e para a sobrevivência do homem.
A ciência surge como um saber que desafia a subjetividade, o senso comum, os mitos e as crenças como certeza absolutas. Ela aborda a inteligência humana a partir de critérios, de controles e estabelece condições a fim de confirmar suas suposições em verdades ou em falsidades.
Contudo, ao mesmo instante em que a ciência se mostrou capaz de compreender a realidade de modo mais rigoroso, transformando o mundo, outras abordagens como a música, a arte, filosofia e religião foram desprezadas, pois geralmente é atribuída a estas a incapacidade total de formular verdades e certezas. Contudo, por mais que a ciência tente na prática desvendar o desconhecido pelo homem, não podemos afirmar que sua compreensão e seus métodos são absolutamente neutros. As ciências certamente estão impregnadas de cultura e valores que determinam e influenciam diretamente as descobertas realizadas.
O método científico:
Para toda área científica – física, matemática, química, história, geografia - existe um método aplicado de acordo com o interesse dos estudos. Desse modo, não podemos falar que existe apenas um método científico para todas as ciências, mas sim, determinados passos que não escapam a nenhuma delas.
O primeiro passo é sem dúvida o surgimento de um problema que incomoda e desafia ao mesmo tempo o conhecimento humano. Nesse primeiro momento, a observação, o olhar estranho para o desconhecido, o não racionalizado e a pergunta crítica são fundamentais.
Em seguida, após o surgimento da dúvida, aparece a criação de hipóteses e respostas prévias sem nenhum teor de validade, mas que suscitam uma pequena iniciativa de buscar alguma condição para tentar efetivar o controle e delimitar o objeto analisado. Mas temos que lembrar que por mais que exista um controle sobre o objeto analisado pela ciência é muito difícil dizer que se poderá em breve chegar a qualquer conclusão a seu respeito. Para tanto, a ciência necessita de exaustivos experimentos até que possa afirmar a verdade ou a falsidade da pesquisa.
A conclusão de qualquer pesquisa somente tem validade se o método aplicado puder se repetir por diversas vezes sem prejuízo do resultado. Nesse sentido, aquilo que entendemos como resultado de uma pesquisa deve ser aplicável independente dos contextos afetivos dos expectadores do experimento realizado. Todo resultado científico é pautado na certeza e na validade do fato independente do estado de ânimo até mesmo de outros cientistas que aplicam o mesmo experimento.
O conhecimento científico é preciso, rigoroso e objetivo e é devido a esse modo sistemático de compreender de maneira racional as relações existentes entre o universal e o fenômeno que é permitido prever acontecimentos e ações da própria natureza.
Como podemos observar, o método científico é colocado como observação, hipótese, experimentação e teoria ou conceito. Contudo, na prática, o processo não se realiza nessa mesma ordem, podendo inclusive variar de acordo com as circunstâncias. Assim, podemos concluir que o método se constitui na investigação da verdade com intuito de alcançar um fim determinado, o que nos permite a formulação e a verificação das hipóteses.
O mito da ciência
O saber especializado desperta a admiração temerosa por parte daqueles que o ignoram. Há todo um respeito admirativo em relação à linguagem científica, dotada de uma universalidade de direito, habilmente restringida aos iniciados. Seu esoterismo protege o segredo, sobretudo pela matematização e pela formalização. O poder de dominar e de fazer coisas acarreta nos não iniciados uma atitude de submissão. É por isso que ela exerce sobre muitos um "poder dogmático". E é por isso, igualmente que muitos veem nos cientistas os detentores do "magistério da realidade": só eles estão habilitados a dizer o sentido, a propor a verdade para todos, como se fossem taumaturgos (milagres) ou verdadeiros alquimistas. O que se pede a eles através das vulgarizações é muito menos um complemento de informações do que a forma presente de questões últimas, pois as antigas respostas teológicas foram desprestigiadas. Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivo do saber, devendo fechar todas as "cicatrizes do não-saber" e fornecer o bálsamo para as angústias individuais e sociais.
Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real do mundo que o cerca. O mundo científico nada tem de ideal, não é uma terra de inocência, livre de todo conflito e submetida apenas à lei da verdade universal, isto é, de uma verdade testável em toda parte, através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentação. Como se o cientista pudesse ser o detentor de uma verdade que, uma vez formulada em sua coerência, estaria isenta da discussão; e como se ele pudesse guardar para sempre a imagem de um indivíduo sempre íntegro e rigoroso, jamais sujeito à incoerência das paixões.
JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975. p116.